Artigo Original 3 - Viver com Estomia: Contribuições para a Assistência de Enfermagem

Authors

  • Sara Machado Mirand Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
  • Conceição de Maria Franco de Sá Nascimento Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Piauí. Professora adjunta do Colégio Agrícola da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
  • Maria Helena Barros Araújo Luz Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Docente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí– UFPI. Pós-graduada em Estomaterapia pela Universidade de São Paulo.
  • Elaine Maria Leite Rangel Andrade Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Docente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
  • Alyne Leal de Alencar Luz Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
  • Cynthia Roberta Dias Torres Mestranda do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí-UFPI

Abstract

Os estomizados, principalmente os de trauma abdominal, passam por mudanças e tem um grande impacto ao enfrentar a realidade nos aspectos biopsicossocial, fato que requer um cuidado de enfermagem holístico. O estudo teve como objetivo conhecer a vivência e adaptação dos pacientes em relação à estomia e suas atividades diárias. Trata-se de um estudo exploratório descritivo, com abordagem qualitativa, realizado com 10 estomizados por trauma abdominal, cadastrados no programa de estomizados de um centro referência de Teresina-PI. A coleta de dados ocorreu em fevereiro de 2010, mediante entrevistas semiestruturadas. Da análise das entrevistas emergiram as categorias: conhecimento sobre a estomia; mudanças ocorridas no cotidiano referente à alimentação, lazer e trabalho; vivência de constrangimentos inerentes à estomia. Observou-se que os pacientes estomizados por trauma abdominal só tinham conhecimento do que é a estomia e sua finalidade, depois da cirurgia realizada. Outro fato importante destacado nas falas é que esses pacientes sofrem mudanças nos hábitos de vida semelhantes aos pacientes que realizaram estomias por outras causas, a diferença entre ambos, está no procedimento cirúrgico de urgência, que envolve risco de vida, além do fato de não terem uma preparação prévia para as mudanças de vida, acarretando brusca alteração no fator psicológico, por estar comprometendo sua qualidade de vida, principalmente no que se refere ao lazer e as atividades laborais. Conclui-se que é imprescindível uma assistência de enfermagem pautada na integralidade e nas dimensões de seu fazer, em virtude da vulnerabilidade e magnitude do comprometimento em vários aspectos da vida desses usuários.Descritores: Estomia. Adaptação. Enfermagem.AbstractOstomy patients, especially those whose stoma was created after abdominal trauma, undergo changes in lifestyle, have a great impact on biopsychosocial aspects when facing reality, and require a holistic nursing care. The purpose of this study was to learn about the experience and adaptation of patients regarding the stoma and their daily activities. This qualitative, exploratory, descriptive study was conducted with 10 patients with ostomies after abdominal trauma, who were enrolled in a assistance program for the ostomy patient of a reference center in Teresina (Piauí, Brazil). Data were collected through semi-structured interviews in February 2010. Using thematic discourse analysis, the following categories were defined: knowledge about ostomy; changes in the daily routine regarding feeding, leisure and work activities; and experiences of embarrassment related to the ostomy. Patients with ostomies after abdominal trauma had knowledge of what ostomy is and its purpose only after the surgery was performed. Other important fact highlighted by the thematic discourse analysis was that these patients experience similar changes in lifestyle as do patients who had ostomy due to other causes. The difference between them is the life-threatening surgical emergency and the fact that trauma patients do not receive previous information about lifestyle changes associated with the procedure, which results in a sudden psychological change, affecting their quality of life, especially regarding recreation and work activities. We conclude that it is essential that nursing care be provided considering all of its aspects and dimensions due to the vulnerability of these patients and magnitude of their impairment in various aspects of life.Descriptors:Ostomy. Adaptation. NursingResumenLos ostomizados, especialmente por traumatismo abdominal, sufren cambios y tienen un gran impacto al enfrentar la realidad en los aspectos bio-psico-sociales, este hecho requiere una atención integral de enfermería. El estudio tuvo como objetivo comprender la experiencia y la adaptación de los pacientes en relación con el estoma y sus actividades diarias. Se trata de un estudio exploratorio descriptivo, con enfoque cualitativo, realizado con 10 ostomizados por traumatismo abdominal, inscritos en el programa de ostomizados de un centro de referencia de Teresina-PI. La recolección de datos tuvo lugar en febrero del 2010, a través de entrevistas semi-estructuradas. Del análisis de las entrevistas surgieron las categorías: conocimiento sobre la ostomía, los cambios diarios relacionados con la alimentación, el ocio y el trabajo, restricciones inherentes a la experiencia de la ostomía. Se observó que los pacientes ostomizados por traumatismo abdominal sólo tenían conocimiento de lo que es la ostomía y su propósito después de realizada la cirugía. Otro hecho importante que se destaca en el discurso es que estos pacientes sufren cambios en los hábitos de vida similares a aquellos pacientes que se sometieron a ostomía por otras causas, la diferencia entre ellos está en la cirugía de emergencia, que implica riesgo de vida, además del hecho de no tener una preparación previa para esos cambios en la vida, provocando cambios bruscos en el factor psicológico que afectan su calidad de vida, sobre todo cuando se trata de actividades de ocio y de trabajo. Se concluye que es esencial una atención de enfermería guiada por la integralidad y las dimensiones de su quehacer, en vista de la vulnerabilidad y la magnitud de la discapacidad en los diversos aspectos de la vida de esos usuarios.Palabras clave:Ostomía. Adaptación. Enfermería.IntroduçãoEstoma, palavra derivada do grego, significa a comunicação entre uma víscera oca e o exterior do corpo. Reconhecido como procedimento terapêutico, temporário ou definitivo, é indicado no tratamento de inúmeras patologias, com destaque para neoplasias colorretais, diverticulite, doenças intestinais inflamatórias e traumas, com perfuração do abdome em acidentes de trânsito, por arma de fogo ou arma branca, entre outros1,2,3.Por tratar-se de um procedimento invasivo e de exposição, os estomizados sentem um grande impacto ao enfrentar a realidade tanto no aspecto físico e psíquico, quanto relativos às dimensões sociais, espirituais, econômicas, culturais e até mesmo as sexuais destes pacientes 4,5,6,7.Essas pessoas constituem uma parcela de pacientes que têm sua perspectiva de vida modificada, principalmente pela imagem corporal alterada devido à presença do estoma. Além das alterações de hábitos alimentares e de higiene, precisam adaptar-se ao uso da bolsa coletora, fato que contribui para diminuir a autoestima, afetando sua vida e, frequentemente, conduzindo ao isolamento social, por sentir-se complexado e rejeitado8.Assim sendo, a experiência de ter um estoma é compreendida como um acontecimento traumático e agressivo em virtude das perdas reais e/ou simbólicas desencadeadas e por alterar a fisiologia gastrintestinal, o estoma ocasiona mudanças na autoestima, imagem corporal e autoconceito, perda da capacidade produtiva e alterações na vida sexual, causando mudanças na vida laborativa, familiar, social e afetiva 5,9,10.Para pacientes estomizados em decorrência de trauma, a situação ainda é mais crítica, pois se por um lado diferenciam-se no âmbito clínico pela diversidade de lesões quanto à natureza e gravidade, existe a imposição de uma nova realidade repleta de restrições e com mudanças bruscas do hábito de vida que dificulta ainda mais a adoção de medidas de adaptação e reajustamento social11.Nestes casos, o processo de reabilitação se torna ainda mais difícil, pois a pessoa anteriormente apresentava-se em perfeito estado de saúde e repentinamente tem que se adaptar a uma nova realidade repleta de restrições. Além do desconforto, há o aumento dos gastos com medicamentos, bolsas coletoras e materiais necessários ao autocuidado, bem como aquisição de novos hábitos, entre eles a alimentação e enfrentamento de situações psicológicas desagradáveis na sua própria casa, com seus familiares, amigos ou parceiros.Logo, este estudo justifica-se pela importância de se conhecer e compreender as pessoas estomizadas em situações de urgência, pois a partir do relato de suas vivências, a enfermagem planejará sua assistência não só visando os cuidados com o estoma, mas focada principalmente nos aspectos psicológicos, visto que o estresse vivenciado pelo paciente vítima de um trauma é bem mais intenso do que em outras situações em que há tempo para algum preparo.ObjetivosConhecer a vivência de pacientes estomizados em decorrência de trauma abdominal e a adaptação destes em relação à estomia e suas atividades diárias.MétodosTrata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa, realizado em fevereiro de 2010, com 10 estomizados por trauma abdominal, cadastrados em um programa de acompanhamento vinculado a um Centro de Referência a Estomizados da Fundação Municipal de Saúde do município de Teresina – PI.O método qualitativo é usado para explorar grupos ou experiências relacionados à saúde ou à doença, assim os participantes são selecionados propositalmente devido a suas experiências com relação ao fenômeno estudado, o que traz maiores informações das vivências práticas de cada sujeito12. Para a inclusão na pesquisa, utilizaram-se os seguintes critérios: ser paciente com estomia intestinal, provisória ou definitiva, em decorrência de traumas abdominais, de ambos os sexos, na faixa etária acima de 14 anos, por compreender que, os adolescentes e adultos jovens, em geral, estão mais expostos a traumas por acidentes e violências.A coleta de dados ocorreu mediante a utilização de um roteiro de entrevistas semiestruturadas, gravadas e posteriormente transcritas. Utilizou-se, também, um diário de campo, para registros dos sentimentos e outras percepções observados no momento da entrevista, o que permitiu maior aproximação com a realidade investigada. A coleta foi encerrada quando houve a saturação dos dados, levando-se em consideração a repetição dos conteúdos, falas, significados e singularidades das vivências, conforme sistemática desenvolvida em pesquisa qualitativa.Após a realização de cada entrevista, foi feita a escuta atenta das gravações e, posteriormente, a transcrição para a leitura textual, objetivando dar mais fidedignidade da reprodução da fala, oferecendo a segurança para riscos de interpretações equivocadas.A análise de dados efetuou-se após a transcrição na íntegra dos relatos, utilizando-se o método de análise de conteúdo, seguindo-se três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos, com interpretação recomendada. Após essa etapa, aconteceram leituras aprofundadas, organização dos dados em grupos temáticos e, em seguida, organização em categorias, analisadas com base na literatura pertinente ao tema. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Integral Diferencial (FACID) e aprovada em 25/01/2010, sob o protocolo nº 198/2009, respeitando a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Para garantia da confidencialidade e anonimato dos depoentes, os referenciamos com a letra “E” seguido das siglas numéricas 1 a 10. Todos os participantes formalizaram a participação mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.ResultadosAs informações obtidas referentes às questões sóciodemográficas, econômicas e clínicas, estão descritas no quadro 1, e caracterizam os participantes do estudo. Entre os 10 pacientes com estomia intestinal decorrente de trauma abdominal, oito eram do sexo masculino. A faixa etária variou de 14 a 90 anos, sendo que oito pessoas tinham idade inferior a 60 anos, e uma na faixa etária superior a 60 anos. Portanto, a maioria em plena fase produtiva de vida. Quanto ao estado civil, os participantes do estudo apresentaram um perfil bem diversificado, pois quatro declararam ser solteiros, três casados e três divorciados. Em relação ao tipo de estoma, observou-se que nove eram colostomizados e um ileostomizado, entre os quais três possuíam estoma definitivo. Quanto aos tipos de traumas que resultaram na realização da estomia, cinco eram decorrentes de acidentes de trânsito, dois por arma branca, dois por arma de fogo e um por queda acidental.DiscussãoApós descrição cuidadosa das entrevistas e por meio de agrupamento e organização das falas para validação dos dados, foram identificados os núcleos temáticos e emergiram as seguintes categorias: conhecimento sobre a estomia; mudanças ocorridas no cotidiano referente à alimentação, lazer e trabalho; vivência de constrangimentos inerentes à estomia.Conhecimento sobre o estoma em pacientes por trauma abdominal Quando questionados acerca do entendimento em relação à cirurgia para confecção do estoma, percebeu-se que, em virtude do caráter emergencial da cirurgia, os pacientes só tinham conhecimento do que é a estomia e sua finalidade, depois da cirurgia realizada. No caso das estomias realizadas por trauma existe prioridade na rapidez do atendimento e confecção do estoma para que o paciente tenha uma maior chance de sobreviver. Ao contrário das cirurgias eletivas, onde se pode ter o preparo e conhecimento prévio do procedimento e mudanças para adaptação.“Eu tava no hospital e o doutor disse que eu tinha já que me operar e fazer essa cirurgia se não eu ia morrer [...]” (E02)“Eu fiz duas cirurgias. A primeira tava dando uma hemorragia interna, aí fizeram a cirurgia e botaram umas compressas dentro de mim, um dia depois eu fiz essa outra cirurgia [...]” (E05)“Só acordei três dias depois, aí eu fui para UTI, senti falta de ar e tive parada cardíaca. Fiz mais sete cirurgias, isso durante um mês e quinze dias. Tive infecção generalizada, aí fui me recuperando aos poucos após essa cirurgia [...]” (E08)A realização da estomia, principalmente em situações de urgência e emergência, como é o caso dos pacientes estomizados por trauma abdominal, deixa marcas tanto físicas e psicológicas, quanto sociais. Esses pacientes passam por situações que vão desde o risco iminente de morte até alterações significativas no seu corpo como também nos seus hábitos.Nem sempre, os pacientes são adequadamente esclarecidos sobre o termo de consentimento para a cirurgia. No entanto, a informação sobre todos os procedimentos a serem realizados é necessária, pois diminui o sentimento de isolamento do paciente e colabora para uma cooperação mútua na relação médico-paciente, além de facilitar o manejo com a estomia no período de reabilitação13. Nos pacientes estomizados por motivo de trauma, o esclarecimento sobre a estomia é iniciado em um segundo momento, pois há urgência em fazer o procedimento cirúrgico para aumentar a chance de vida dessas pessoas ou pelo menos minimizar as complicações. Também verificou-se pelos relatos dos pacientes desse estudo, que os mesmos desconheciam a cirurgia para a confecção do estoma e só após a estabilização do quadro inicial é que vão tomando consciência das mudanças ocorridas em seu corpo e no estilo de vida.Mudanças ocorridas no cotidiano referente à alimentação, lazer e trabalho de estomizados por trauma abdominalApós a estomia, os pacientes se deparam com diversas mudanças no seu estilo de vida, alterações nos aspectos bio-psico-social e passam a manter um controle rigoroso nos seus hábitos de alimentação, atividades de lazer, trabalho e até mesmo nas suas atividades diárias básicas.Ao abordar os sujeitos da pesquisa quanto à forma de alimentação depois de estomizados, muitos relataram que a mudança nos hábitos alimentares é intensa. Além da diminuição na quantidade de ingestão alimentar, pode-se observar que os mesmos fazem uso de alimentação liquidificada e que também fazem restrição de alimentos como carne, leite e refrigerante, conforme relatos apresentados a seguir:“Não pode comer coisa grossa, se não ela (estomia) fica ruim, fica toda hora defecando [...]” (E03)“Não tomo mais leite nem refrigerante porque dá gases. Não como carne de porco, ovo, sardinha, camarão, caranguejo [...]” (E 08)“Estou tentando me alimentar fazendo restrição de carne, por ser mais difícil a digestão. Me alimento mais de frango, por que meu intestino ficou reduzido e alterado [...]” (E10)As mudanças alimentares do paciente estomizado precisam ocorrer a fim de evitar alguns desconfortos como a flatulência excessiva e, consequentemente, eliminações de gases e outras complicações, como a diarréia5. E, para isso eles passam a ter um controle alimentar rigoroso, fazem opção por alimentos de mais fácil digestão, reduzem a quantidade na tentativa de diminuir o número de evacuações e ainda evitam o consumo dos que causam eliminações de gases, como feijão, repolho, alface, entre outros.No tocante às atividades de lazer, elegeramse os relatos que fazem emergir a categoria:“Agora eu só faço bordado [...]” (E04)“Não consigo correr, botar peso. Deixei de jogar bola. Só fico em casa parado. Sinto muitas dores [...]” (E09)“Só aqui mesmo assistindo televisão. Antes eu saía, andava de moto, saía para as festas, viajava para casa dos meus parentes. Agora fico só aqui em casa mesmo [...]” (E07)Pode-se constatar, com relação à retomada das atividades de lazer, que as atividades ficaram restritas, dificultadas pelas limitações dos esforços físicos, fazendo com que os pacientes permaneçam a maior parte do tempo em casa e realizem atividades que não exijam extensa movimentação corporal. Quando perguntados sobre as atividades laborais, obteve-se respostas como:“Eu trabalhava na metalúrgica. Hoje em dia só fico aqui dentro de casa assistindo televisão [...] (E07)“Antes eu trabalhava e agora eu não estou podendo trabalhar. Faço tudo de antes, menos trabalhar. Ás vezes eu fico muito cansado [...]” (E08)“Não trabalho mais. Só fico em casa parado [...]” (E09)É notório que depois da realização da estomia os entrevistados que trabalhavam deixaram de participar de suas atividades profissionais em virtude de suas restrições físicas e permanece a maior parte do tempo em suas casas, ociosos, sentindo-se inválidos e incapazes.A estomia pode representar uma limitação ao projeto de vida destas pessoas e no caso de pacientes estomizados por trauma abdominal, o impacto da mudança de vida ainda é maior, pois os mesmos encontram-se em perfeito estado de saúde e repentinamente são obrigados a mudar drasticamente seus hábitos de vida. Nesse caso é necessária uma assistência intensificada desde o pósoperatório imediato até a total reabilitação para que seja possível este paciente obter uma boa qualidade de vida.Vivência de constrangimentos inerentes à estomia Outras respostas observadas nas falas demonstraram a ocorrência de constrangimentos em relação à estomia:“Tô passando agora assim por causa dessa magreza minha aqui agora, eu tô magro [...]” [E01 “Quando eu tô dentro do ônibus e a bolsa fica despregando, me melando [...]” (E09)“Quando meus filhos tão aqui comigo e sai gases eu fico com vergonha [...]” (E08)Percebeu-se, através dos relatos dos entrevistados, que além dos constrangimentos relacionados com a eliminação de gases e vazamento pela bolsa coletora, ocorre também o receio devido às mudanças com a aparência corporal, como é o caso da diminuição brusca e acentuada de peso, visto que o mesmo passa por restrições alimentares rigorosas.Pode-se observar também que a maioria dos estomizados sofre mudanças ou tem dificuldades no retorno às atividades de lazer, em muitos casos não retomam suas atividades e quando fazem é apenas de modo parcial, por insegurança derivada da qualidade dos dispositivos, ou ainda por medo de problemas gastrintestinais10.Desse modo, é importante que o enfermeiro proporcione oportunidade para que o paciente verbalize suas preocupações, permitindo-os expandirem suas estratégias de sobrevivência. Esses pacientes e as famílias, que estão em contextos multiculturais ou que tem limitado suas capacidades, podem precisar de ajuda para entender essa situação14.Outro fator observado no estudo relacionase à dificuldade do estomizado em se adaptar no ambiente de trabalho. Os limites ou perda da capacidade para o trabalho são definidos, na maioria das vezes, pelo próprio estomizado, que se classifica como alguém que está à margem da possibilidade de ser útil à sociedade.As limitações, decorrentes da preocupação com os gases, vazamentos, eliminação de odor pelas fezes e desconforto também são impostos ao tipo de atividade, referidas como inapropriadas a determinadas profissões, assim como podem estar relacionadas às precárias qualidades das bolsas coletoras utilizadas e falta de preparo adequado para manuseá-las.As pessoas estomizadas geralmente têm grandes dificuldades na volta ao trabalho, pois se sentem inseguras para continuar cuidando da estomia e ainda trabalhar. Assim, alguns acabam pedindo aposentadoria por invalidez, o que representa um problema econômico em virtude dessas pessoas serem muitas vezes as provedoras da família, fato que causa um desequilíbrio e mudanças no padrão de vida, além de ser mais um fator que causa problemas psicológicos para o paciente15.Além disso, os pacientes estomizados se encontram frequentemente diante de outras situações complexas, tais como a exposição a uma série de constrangimentos sociais como barulho, a transpiração e os ruídos emitidos pela saída de gases, bem como o risco da apresentação de qualquer falha na segurança e qualidade do coletor, podendo ocorrer extravasamento de fezes pelo corpo, o que provoca o medo da exposição em público por parte desses pacientes16.Um fator bastante abordado pelos pacientes foi a perda da função do esfíncter anal, que significa perder o controle de eliminação de gases e fezes, fato que expõe o paciente, uma vez que não há momento certo para essa eliminação, o que causa vergonha no mesmo, devido ao odor desagradável. Essa eliminação de gases geralmente é acompanhada por ruídos sonoros, uma das maiores causas de constrangimento.O portador de estomia, ao perceber uma possível situação de discriminação, afasta-se antecipadamente de grupos sociais. É uma estratégia comumente adotada por ele para evitar, além da discriminação por causa da deficiência física, sentimentos de pena e reações de aversão5. Por ser uma circunstância de grande impacto, devido a tantas mudanças na rotina, nos costumes e por ocasionar alterações nos relacionamentos entre familiares e amigos, a presença da estomia leva o paciente a conviver e lidar com uma nova situação de vida. Ficam expostos ao contato com a deformação física, vivenciam sentimentos de baixa autoestima, e também, é o momento que a pessoa passa a tomar consciência das limitações em suas atividades da vida diária.Além do exposto nas três categorias encontradas torna-se evidente que o processo de reabilitação é permeado pela complexidade e multiplicidade de barreiras físicas, sociais e psicológicas que deverão ser transpostas para que esses sujeitos voltem a realizar normalmente suas atividades cotidianas17.Há que se entender o cuidado com base nesse contexto e pensar nos pacientes estomizados, particularmente as vítimas de situações traumáticas, numa perspectiva holística, articulando família e comunidade no cuidado ao indivíduo, bem como associando objetividade e subjetividade numa perspectiva de viabilizar as inter-relações e a integralidade da assistência.Vale a pena salientar que a adaptação dos pacientes em relação às estomias, seja ela temporária ou definitiva, quanto as mudanças de hábitos de vida e as dificuldades encontradas foram semelhantes em ambos os casos.ConclusãoA presente pesquisa possibilitou uma visão acerca da vivência do paciente estomizado por trauma abdominal e sua adaptação em relação à vida diária. Destaca-se que esses pacientes sofrem uma severa mudança de vida, o que pode estar relacionado à ausência de um preparo prévio para cirurgia, além de problemas e riscos que acontecem durante e no pós-operatório. Verificou-se modificações nos hábitos de vida, principalmente no que se refere à alimentação, lazer e trabalho, além dos principais constrangimentos vivenciados por eles em seu dia a dia.O enfermeiro está diretamente ligado ao processo de adaptação da pessoa com um estoma, uma vez que esse profissional tem papel primordial no preparo do paciente em relação ao autocuidado, aos recursos disponíveis, manuseio com a bolsa, prevenção de lesão da pele periestomal e outros agravos. As informações a respeito das alterações de hábitos de vida permite ao paciente ter esclarecimento sobre suas dúvidas em relação ao que é a estomia e de como proceder diante das alterações corporais, emocionais e sociais.O estudo mostrou a necessidade da atenção dos profissionais da saúde para que sejam mais eficazes no sentido de viabilizar maiores esclarecimentos acerca do procedimento cirúrgico para confecção do estoma em situações de trauma e vislumbra, entre outros aspectos, contribuir para uma assistência de enfermagem especializada, pautada nos conhecimentos científicos, na integralidade do cuidado e nas dimensões de seu fazer, em virtude da vulnerabilidade e magnitude do comprometimento em vários aspectos da vida desses usuários, objetivando melhorar a qualidade de vida dos estomizados.Finalmente conclui-se que o tema não se esgota no presente estudo e que o mesmo pode servir para estimular outras pesquisas, levando à reflexão dessa temática, principalmente pelo crescente aumento da violência urbana que nos leva cada vez mais a nos deparamos com pacientes nesta situação.

Downloads

Download data is not yet available.

References

Barbutti RCS, Silva MCP, Abreu MAL. Ostomia, uma difícil adaptação. Rev SBPH 2008; 11 (2):27-39.

Silva RCL, Figueiredo NMA, Meireles IB. Feridas: fundamentos e atualizações em enfermagem. 2a ed. São Caetano do Sul: Yendis; 2009. p. 211-236.

Stumm EMF, Oliveira ERA, Kirschner RM. Perfil de pacientes ostomizados. Scientia Medica 2008; 18(1): 26-30.

Bellato R, Pereira WR, Maruyama SAT, Oliveira PC. A convergência cuidadoeducação- politicidade: um desafio a ser enfrentado pelos profissionais na garantia aos direitos à saúde das pessoas portadoras de estomias. Texto Contexto Enferm 2006; 15(2): 334-42.

Silva AL, Shimizu HE. O significado da mudança no modo de vida da pessoa com estomia intestinal definitiva. Rev Latino-am Enfermagem 2006; 14(4): 483-90.

Salimena AMO. O cotidiano da mulher após a histerectomia à luz do pensamento de Martin Heidegger. [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery, 2007.

Santos VLCG, Cesaretti IUR. Assistência em estomaterapia: cuidando do ostomizado. São Paulo: Atheneu; 2005.

Gemelli LMG, Zago MMF. O cuidado ao ostomizado na visão do enfermeiro. Cascavel (PR): Coluna do Saber, 2005.

Sonobe HM, Barichelo E, Zago MMF. A visão do colostomizado sobre o uso da bolsa de colostomia. Rev Bras Cancerol. [periódico na Internet] 2002[acesso 2012 Nov 22]; [8 páginas]. Disponível em: http:// www.inca.gov.br/rbc/n_48/v03/pdf/artigo2.pdf>

Cascais AFMV, Martini JG, Almeida PJS. O impacto da estomia no processo de viver humano. Texto Contexto Enferm 2007; 16(1): 163-67.

Fraga G, P, Mantovani M, Magna LA. Índices de trauma em pacientes submetidos à laparotomia. Rev Col Bras Cir. 2004; 31(5): 299-306.

Driessnack M, Sousa VD, Mendes IAC. Revisão dos desenhos de pesquisa relevantes para enfermagem: parte 2: desenhos de pesquisa qualitativa. Rev Latino-am Enfermagem 2007; 14(4): 684-88.

Gulinelli A, Aisawa RK, Konno SN, Morinaga CV, Costardi WL, Antonio RO, et al. Desejo de informação e participação nas decisões terapêuticas em caso de doenças graves em pacientes atendidos em um hospital universitário. Rev Assoc Med Bras 2004; 50 (1): 41-7.

Borwell B. Continuity of care for the stoma patient: psychological considerations. Br J of Community Nurs 2009; 14(8):326-31.

Barros EJL, Santos SSC, Erdmann AL. Rede social de apoio às pessoas idosas estomizadas à luz da complexidade.Acta Paul Enfermagem 2008; 21(4): 595-601.

Gemelli LMG.; Zago MMF. A interpretação do cuidado com o ostomizado na visão do enfermeiro: um estudo de caso. Rev Latino-am Enfermagem 2002; 10(1): 34-40.

Cruz EJER, Souza NVDO, Mauricio VC. Reinserção da Pessoa com Estomia Intestinal no Mundo do Trabalho: uma Revisão Bibliográfica.

Published

2016-03-23

How to Cite

1.
Mirand SM, Nascimento C de MF de S, Luz MHBA, Andrade EMLR, Luz AL de A, Torres CRD. Artigo Original 3 - Viver com Estomia: Contribuições para a Assistência de Enfermagem. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Mar. 29];12(3). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/94

Issue

Section

Article

Most read articles by the same author(s)

<< < 1 2