Estudo Clínico 3

Authors

  • Paula de Moura Piovesana Enfermeira pós-graduanda em estomaterapia pela Universidade Estadual de Campinas e especialista em cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo. Enfermeira da unidade de terapia intensiva da UNICAMP.
  • Érika Suzuki Enfermeira pós-graduanda em estomaterapia pela USP, especialista em Assistencia Domiciliar, Coordenadora Administrativa Home Care :Cemed Care (AmilPar).
  • Su Yan Ling Enfermeira pós-graduanda em estomaterapia pela UNICAMP. Enfermeira da unidade de internação de gastrocirurgia da UNICAMP.

Abstract

Úlcera por Pressão em Paraplégico: Tratamento Domiciliar de um caso


ResumoIndivíduos com lesão da medula espinal têm grandes chances de desenvolver úlcera por pressão (UP) devido à diminuição da mobilidade e da sensibilidade, mesmo após vários anos de reabilitação. Este estudo descreve um caso de atendimento domiciliário do tratamento de úlceras por pressão. Foi tratada uma lesão no calcâneo direito, com cicatrização no 39º dia, e uma lesão sacral que evoluiu com períodos de melhora e infecção, com cicatrização no 283º dia. As úlceras por pressão foram efetivamente tratadas no domicílio, sendo essenciais avaliação da enfermeira e intervenções precoces.Descritores: Úlcera por Pressão. Cuidados de Enfermagem. Traumatismos da Medula Espinal.AbstractIndividuals with spinal cord injury have a greater tendency to develop pressure ulcers due to decreased mobility and sensitivity, even after several years of rehabilitation. The patient in this study had two pressure ulcers, one on the right heel, and other on the sacral region. The right heel wound healed in 39 days and the one in the sacral region healed in 283 days. Pressure ulcers were effectively treated at home with a proper evaluation by the nurse with early interventions are essential to the success of the treatment.Descriptors: Pressure Ulcer. Nursing Care. Spinal Cord Injuries.IntroduçãoIndivíduos com lesão da medula espinal (LME) têm grandes chances de desenvolver úlcera por pressão (UP) devido à diminuição da mobilidade e da sensibilidade, sendo uma das principais complicações1,2. Em estudo retrospectivo de revisão de prontuários, com 171 prontuários de pacientes com LME atendidos num ambulatório, houve o registro de UP em 36% (n=46)1. Em outro estudo, realizado em pacientes internados, chegou-se a 42,5% (n=20/47)2.A UP é uma causa comum de internação entre indivíduos com LME, mas é possível tratálas no domicílio. A ocorrência de UP não onera somente financeiramente o indivíduo, mas prejudica a qualidade de vida, impedindo ou dificultando a execução de suas atividades de vida diária2. São poucos os estudos sobre o tratamento domiciliar de longa duração de UP, sendo importante a discussão, considerando as diferentes terapias empregadas e a adequada avaliação da enfermeira com intervenções precoces.ObjetivoDescrever um caso de atendimento domiciliário para tratamento de UP.MétodosEste relato de caso foi realizado com um cliente de um serviço de atendimento domiciliário pertencente a um seguro de saúde na cidade de São Paulo. Os dados foram coletados durante as visitas domiciliares, registrados no prontuário, a partir do qual foi obtida a evolução das UP e as terapias empregadas. Realizaram-se registros fotográficos e, para as medidas, usou-se planimetria eletrônica com programa ImageTool (Software Development Kit Source Code Version 3.0). Obteve-se o consentimento livre e esclarecido do cliente.Caso clínico e discussãoFHF, 56 anos, casado, aposentado, residente na cidade de São Paulo-SP. Paraplégico por lesão lombar há 17 anos devido a acidente automobilístico. Independente para suas atividades diárias, inclusive para cuidados de higiene, tem vida social ativa. No seu domicílio fazia uso de cadeira de rodas, ficando muito tempo sentado e, pela primeira vez, desenvolveu UP. Precisou ser internado no hospital, para desbridamento cirúrgico da necrose da UP sacral e antibioticoterapia por via oral (clindamicina e metronidazol), para tratamento da infecção dessa úlcera. A internação durou 30 dias e, apesar da alta hospitalar, necessitou de atendimento domiciliário.Na avaliação inicial não apresentava comorbidades e ainda recebia antibioticoterapia. O cliente apresentava duas úlceras por pressão, uma no calcâneo e outra na região sacral.A UP do calcâneo D (Figura 1) com área inicial de 0,98 cm2, estágio III, segundo a classificação proposta pela National Pressure Ulcer Advisory Panel3, apresentava tecido de epitelização e poucos esfacelos, tendo indicação de limpeza com solução fisiológica, aplicação de gel hidratante com alginato de cálcio e sódio, compressa não-aderente (rayon) e cobertura secundária com gaze uma vez ao dia. A granulação do tecido foi favorecida, e apesar de lenta, a epitelização total ocorreu em 39 dias.

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Figura 1. Avaliação inicial da UP calcâneo D.

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Figura 2. Avaliação inicial da UP sacral.

A UP na região sacral (Figura 2) com área de 77,9 cm2 era profunda, com perda total de pele (estágio indeterminado, pois possuía tecido desvitalizado). Apresentava 80% de esfacelos e tecido de granulação em margens, com abundante exsudato seroso e pequena quantidade sanguinolenta. Mantendo a conduta médica, a terapia inicial era limpeza com SF 0,9% morno, aplicação de gel hidratante com alginato de cálcio e sódio e ácidos graxos essenciais (AGE) nas margens, com cobertura de gazes e compressa. No primeiro dia de atendimento, a enfermeira apenas aumentou a frequência de troca para duas vezes ao dia e a lavagem com SF 0,9%, iniciada com seringa de 20 ml e agulha 40 x 12 sob pressão, para limpeza e desbridamento mecânico. Após dez dias, a lesão evoluiu com aumento da exsudação, a partir do qual e seguindo a conduta da enfermeira, iniciou-se curativo com alginato de cálcio com troca diária, sendo necessária a troca do curativo secundário uma vez ao dia por saturação desta cobertura. As propriedades do alginato de cálcio favoreceram o desbridamento autolítico do esfacelo, controlando o excesso de umidade e propiciando a hemostasia4. No 39º dia houve redução de 35,8% da área inicial (Tabela 1 e Gráfico 1), indicando processo cicatricial adequado.tabela_estudo01

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Gráfico 1. Curva de cicatrização de acordo com a
área (cm2) e o tempo (dias)

A UP sacral evoluiu com piora, com aumento de exsudação com coloração esverdeada e odor fétido, com identificação por meio de cultura de swab de Staphylococcus SP e Pseudomonas aeruginosa, tratado com gentamicina por 10 dias e com carvão ativado com prata a partir do 52º dia. Após três semanas com melhora, a coloração da exsudação estava serosa e em moderada quantidade, optando-se pela substituição da cobertura para alginato de cálcio. No 100º dia, havia somente tecido de granulação no leito da ferida, com redução de 67,9% em seu tamanho. Gradativamente, apresentou sinais de infecção com aumento do exsudato de coloração esverdeada e com pouco odor fétido, sendo necessário utilizar, no 126º dia (Figura 3), cobertura de carvão ativado com prata com troca diária, na primeira semana, devido à saturação; posteriormente, aumentou-se o intervalo de troca para até quatro dias e, progressivamente, o exsudato tornou-se seroso e sem odor.O carvão ativado com prata promove absorção, equilibrando o excesso de umidade, diminui o odor, trata a infecção da ferida por meio da prata e o tecido não-aderente protege o tecido de granulação, favorecendo a cicatrização4.Estando o leito da ferida somente com tecido de granulação, estadiamento IV e com redução da exsudação, reintroduziu-se o alginato de cálcio, no 180º dia. No 241º dia, foi iniciada a aplicação de gel hidratante com alginato de cálcio e sódio e compressa não-aderente (rayon). A epitelização total ocorreu em 283 dias (Figura 4). Durante todo o tratamento, manteve-se compressa na região sacral mesmo quando houve redução do exsudato para proteção da ferida, pois progressivamente o cliente voltou a realizar suas atividades de vida diária, seguindo orientações de mobilizar-se na cadeira de rodas e limitando o tempo na mesma posição.

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Figura 3. Dia 126 (data 30/11/07) Lesão sacral área 17,12 cm2.

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Figura 4. Data 05/05/08 . Sacral fissura superficial, com epitelização.

ConclusõesAs UPs foram efetivamentes tratadas no domicílio, com cicatrização das lesões de calcâneo no 39o dia e da região sacral no 283o dia. O uso de adequada cobertura para absorção do exsudato e de controle da colonização por microrganismos e, quando necessário, antibioticoterapia sistêmica, tiveram eficácia no tratamento das lesões em diferentes períodos da evolução. Considerações A UP pode ser efetivamente tratada no domicílio, sendo essenciais a avaliação da enfermeira e suas intervenções precoces, prevenindo possíveis complicações, diminuindo custos do tratamento e promovendo a saúde e qualidade de vida do cliente.Ressalta-se ainda a importância da adesão do cliente ao tratamento e as medidas preventivas quanto ao repouso relativo e à mobilização sistemática para redistribuição da carga mecânica na área da lesão.


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References

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Mandelbaum SH, Di Santis EP, Maldelbaum MHS. Cicatrização: conceitos atuais e recursos auxiliares – Parte I. An Bras Dermatol. 2003; 78(5): 393-408

Published

2009-12-01

How to Cite

1.
Piovesana P de M, Suzuki Érika, Ling SY. Estudo Clínico 3. ESTIMA [Internet]. 2009 Dec. 1 [cited 2024 Mar. 29];7(4). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/263

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