Artigo Original 2

Authors

  • Mariel Schmitt Marcio Acadêmicas do IX semestre do Curso de Enfermagem da UPF.
  • Dorilde de Moraes Acadêmicas do IX semestre do Curso de Enfermagem da UPF.
  • Denise Sain Poletto Enfermeira. Professor Titular. Curso de Enfermagem da UPF. Mestre em Assistência de Enfermagem.
  • Vilma Madalosso Petuco Enfermeira Pós-graduada em Estomaterapia pela EEUSP. Professor Titular. Curso de Enfermagem da UPF. Doutora em Saúde Pública.

Abstract

Grupo de pessoas com estomias: necessário?

ResumoO estudo teve como objetivo conhecer a posição da pessoa com estomia sobre a necessidade de reimplantação de um grupo de auto-ajuda no município de Passo Fundo/RS. De abordagem qualitativa, exploratório-descritivo, foi realizado com a participação de 14 pessoas que possuíam um estoma definitivo há, pelo menos, um ano da cirurgia. Obtiveram-se os dados por meio de entrevista semi-estruturada e gravada em fita magnética. A coleta iniciou após a aprovação prévia da instituição e do consentimento dos participantes. Após leitura e releitura das entrevistas destacaram-se algumas respostas que foram distribuídas em duas categorias: “expectativas das pessoas com estomas em relação ao grupo” e “possibilidades de participação das pessoas com estomas em um grupo”. Foi comprovado, através de análise, que as pessoas com estomas demonstraram interesse na abertura do grupo, pois percebiam que a atuação do mesmo poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida, seja através da troca de experiências entre seus membros ou na luta para obtenção de equipamentos em quantidade e qualidade adequada.Palavras Chaves: Estoma. Equipamento. Qualidade de vida.AbstractThe study had as an objective to know the position of the person with a stoma on the necessity of re-implanting of a group of auto-aid in the city of Passo Fundo. Of qualitative boarding, exploratory-description, was carried through, with the participation of 14 people who had one stoma definitive, at least, one year of the surgery. The data by means of interview half-structuralized and recorded in magnetic tape had been gotten. The collection was initiated after the previous approval of the institution and the assent of the participants. After reading and re-reading of the interviews some answers had been distinguished that had been distributed in two categories: “expectations of the osteomized people in relation to the group” and “the possibilities of participation of the osteomized people in a group”. The analysis showed that the osteomized people had demonstrated interest in the opening of the group, therefore perceived that the performance of the same could contribute for the improvement of the quality of life, either through the exchange of experiences between its members or in the fight for equipment attainment in amount and adequate quality.Key words: stoma, equipment, life quality.IntroduçãoAs pessoas com estomias realizam um desvio das fezes ou urina, do seu trajeto natural para o exterior (1,2), devido a neoplasias do cólon, reto e bexiga, prolapso retal irreparável, traumatismos que afetem o reto e esfíncter anal, atrofia vesical, disfunções neurológicas graves, fístulas retro vaginais e vesico vaginais, doenças inflamatórias e diverticulite (1,3,4). Em função da incontinência fecal e urinária estabelecida, o efluente é coletado num equipamento aderido ao abdômen, fato este que produz modificações nos âmbitos pessoal, social, profissional e familiar (5). Quando permanente, acarreta intensa mudança no estilo de vida, tanto para a pessoa, como para sua família e na sua vida sexual.Embora, alguns consigam manter sua auto-imagem preservada, há aqueles com sentimento de inferioridade, de mutilação e depressão, pois a presença do estoma caracteriza, para eles, uma deficiência física. Muitas pessoas estomizadas manifestam, ainda, preocupações com a inadequação à bolsa, alteração da pele periestoma, alteração na consistência das eliminações e complicações do estoma, entre outros (2,3).Problemas de ordem psicossocial também são comuns, como a insegurança, a vergonha e a falta de auxílio econômico. A eliminação de ruídos e, também, de odores desagradáveis leva a pessoa ao isolamento, conduzindo-a à marginalização social, redução das atividades de lazer e de participação nos grupos sociais.As alterações emocionais e da imagem corporal conduzem ao medo da rejeição e da solidão. Aqueles que se encontram em plena atividade profissional, na maioria das vezes, são obrigados a abandonar seu trabalho, trazendo com isso dificuldades financeiras e perda de status, percebendo-se, assim, inúteis e desvalorizados perante a sociedade. Freqüentemente, os estomizados, expressam suas preocupações em relação à opinião de outras pessoas, pois a maneira com que a sociedade encara a estomia, bem como os valores que atribuem às mudanças corporais, pode causar impacto negativo na reabilitação da pessoa (2).Com o passar do tempo, a maioria das pessoas aceita melhor a condição de ser estomizado, havendo melhor tolerância dos limites impostos pela presença do estoma. Essa situação induz a uma reformulação de seus objetivos futuros trazendo um estado de relativo bem-estar. Porém, nem todos conseguem aceitar esta nova condição e se recusam ajustar-se a uma nova rotina de vida, podendo gerar sérios problemas de adaptação (4). Portanto, é fundamental a busca da reinserção social e da reabilitação dos estomizados, para que eles possam lidar com os medos, fantasias e ansiedades, reintegrando-os as suas antigas condições de vida e até ao próprio trabalho (4). Nesse contexto, a existência de um grupo de apoio é uma possibilidade para promover uma melhor adaptação dessas pessoas as suas novas condições.Os grupos, ao propiciar a convivência de pessoas que têm algo em comum, proporcionam a troca de experiências, melhoram o estado de ânimo de seus membros e facilitam o acesso a outras redes de apoio social (6) agilizando o processo de reintegração social. Assim, as pessoas com um bom suporte, familiar e grupal, apresentam melhor qualidade de vida em relação aos indivíduos de baixo suporte (5).Por outro lado, conviver em grupo exige uma compreensão da complexidade das relações humanas, envolvendo diferentes modos de pensar, agir e sentir (7). Existem certas necessidades básicas comuns a todos os grupos. Cada indivíduo traz consigo características próprias e um modo particular de ver o mundo, incluindo seus interesses, habilidades, desejos e frustrações, e isto influencia a dinâmica grupal. A comunicação constitui, assim, um importante recurso na formação de um grupo, pois é através dela que se descobrem os interesses individuais e comuns à maioria dos participantes (8).O presente estudo objetivou, dessa forma, conhecer a posição da pessoa estomizada sobre a necessidade de um grupo de auto-ajuda no município de Passo Fundo/RS.MétodosTrata-se de um estudo exploratório e descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido com pessoas estomizadas residentes no município de Passo Fundo. De médio porte, o município é considerado pólo geo-educacional, com destaque na prestação de serviços e nas áreas de saúde e comércio. Situa-se no centro norte do Estado do Rio Grande do Sul, distante 350 Km da capital e com uma população total de 185.279 mil habitantes (9). Possui quatro hospitais e uma universidade, de caráter privado e comunitário, com cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado. Por ser o município sede da 6a Coordenadoria Regional de Saúde, responsável por outros cinqüenta e oito municípios, concentra em seus registros um grande número de pessoas estomizadas, que recebem um quantitativo mensal de dispositivos coletores distribuídos pelo sistema público. Consta, atualmente, o registro de 143 pessoas estomizadas, sendo 77 do sexo masculino e 66 do sexo feminino. Esses dados foram obtidos através da contagem das fichas de cadastros existentes na referida coordenadoria.Cabe salientar que no ano de 1998, um grupo de pessoas reuniu-se com a finalidade de fundar uma associação, que posteriormente foi denominada Núcleo dos Estomizados de Passo Fundo. Entretanto, a participação efetiva das pessoas era relativamente pequena, se comparada ao número total de estomizados existentes no município. Mesmo assim, o grupo perdurou por três anos e após esse período se dissolveu estando, atualmente, inativo. Em conversas informais mantidas com as pessoas estomizadas, observou-se manifestações contrárias e favoráveis à reconstituição do grupo, o que levou as pesquisadoras a investigar sobre o assunto.Fizeram parte deste estudo pessoas estomizadas definitivas, de ambos os sexos, maiores de dezoito anos, com comunicação verbal preservada, residentes na cidade de Passo Fundo e, com no mínimo, um ano da realização da cirurgia. Após a autorização da instituição envolvida foram acessadas as sessenta fichas de cadastramento e listadas as vinte e duas pessoas estomizadas que contemplavam os critérios de inclusão, com seus respectivos telefones e endereços.Dessa lista, foram entrevistadas apenas quatorze pessoas, pois as restantes não foram localizadas. O grupo pesquisado era composto por nove pessoas do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Todos se encontravam na faixa etária entre cinqüenta e oitenta e três anos, com exceção de uma pessoa com trinta e dois anos. Quanto à escolaridade, a maioria não completou o ensino médio. Em geral, os entrevistados eram aposentados, com renda média de dois salários mínimos. O tempo de estomia variou entre um e trinta anos, sendo sua principal causa o câncer de reto. Cinqüenta por cento dos entrevistados já haviam participado de reuniões do grupo que existia anteriormente.O instrumento de coleta continha, além de alguns dados sócios demográficos, a seguinte questão norteadora: qual era a posição da pessoa sobre a existência de um grupo de estomizados no município. Os dados foram coletados nos meses de agosto e setembro de 2006, por meio de uma única entrevista, semi-estruturada, gravada em fita magnética, transcrita literalmente e depois destruída. As entrevistas ocorreram no domicílio dos participantes, após contato prévio via telefone ou pessoal.Essa pesquisa observou as diretrizes da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (10) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram denominados de Entrevistado 1 (E1), Entrevistado 2 (E2) e assim, sucessivamente.A leitura e releitura das entrevistas destacaram as falas dos sujeitos relevantes ao estudo. Posteriormente, foram agrupadas em torno de um mesmo tema. Esses temas originaram as categorias de análise (11) que foram interpretadas com base no suporte teórico do estudo.Resultados e DiscussãoNa apresentação dos resultados são analisadas as posições dos estomizados em relação à constituição ou não de um grupo em Passo Fundo. Após leitura repetida das respostas, as mesmas foram distribuídas em duas categorias temáticas: “expectativas dos estomizados em relação ao grupo” e “possibilidades de participação dos estomizados em um grupo”.Quanto às “expectativas dos estomizados em relação ao grupo”, todos os participantes do estudo esperam encontrar, no grupo, pessoas que possam exteriorizar suas ansiedades e compartilhar suas preocupações.Nos primeiros tempos de pós-diagnóstico médico ou de pós-operatório, as pessoas tendem a se desesperar, pois a presença do câncer e do estoma causa profundas alterações em seus hábitos de vida: “Tem muita gente que fica desesperada com isso, e tendo a reunião a gente conversa, vai tirando a pessoa desse problema” (E5). Quando se deparam com essa situação, uma de suas primeiras preocupações é como lidar com o estoma e o dispositivo coletor, pois, inicialmente, expõem suas dificuldades na utilização da bolsa: “E a gente vai conversar né, que o problema é que é meio difícil da gente usar isso aí. [...] Não é uma coisa confortável, porque fica tão ruim para a gente caminhar” (E9). As pessoas com estomias acreditam que por intermédio das reuniões realizadas pelo grupo têm a oportunidade de conversar com os demais, sentindo-se mais confortáveis e mais preparados para enfrentar essa difícil situação.Além disso, eles podem contar com o apoio dos profissionais e ter a oportunidade de trocarem experiências entre si. Esta troca se dá com a exposição de suas dificuldades, as estratégias utilizadas para a superação destas e os conhecimentos obtidos no dia-a-dia pós-estoma: “A gente se encontra, todas as pessoas que já tiveram esses problemas, e colocassem para a gente suas experiências, já seria bem mais prático” (E3). Fica evidente que as pessoas com estomias reconhecem que possuem um potencial de contribuição para ajudar as outras pessoas que ainda vivenciam sérias dificuldades de adaptação, visto que já passaram por este sofrimento e conseguiram superar: “Eu acho que o testemunho de um vai melhorar a vida do outro. Porque aqui na minha rua as vizinhas dizem que sou um exemplo de vida” (E10). Assim, os membros do grupo influenciam-se mutuamente pelos depoimentos e exemplos que são colocados.De acordo com Trentini (2), as trocas de experiências entre as pessoas com estomias e o apoio do grupo de profissionais favorecem o aprendizado quanto ao cuidado do estoma, principalmente a transmissão de informações dos mais antigos para os mais recentes. Os grupos de auto-ajuda permitem o encontro de pessoas com problemas semelhantes, o que facilita a troca de vivências, auxilia as pessoas a encontrarem uma nova forma de aceitar a doença e a conviver com o estoma.O apoio psicológico e espiritual é fundamental para a superação das dificuldades impostas pela condição em que se encontram. Muitas vezes as pessoas sentem-se inseguras, fragilizadas, abandonadas, com baixa auto-estima e com sentimentos de perda. Se não tiverem o suporte necessário, tanto da família quanto dos profissionais, dificilmente conseguirão vencer os obstáculos, principalmente nos primeiros tempos de pós-estomia: “Pra saber mais né, explicarem, porque eu uso a bolsa, mas não sei nada, assim, como é que funciona. Se tivesse o grupo eu podia aprender mais coisa, trocar conhecimento” (E4). “Eles dão muito apoio. Apoio assim, pra pessoa mesmo, espiritual e tudo né. Porque uma pessoa se tem um problema, aquele problema não é fácil. Olha, é muito difícil. Se a pessoa não tem um apoio, é pior ainda” (E11). “Eu acho que é o que todos esperam, um amparo melhor, principalmente para as pessoas que estão no início. A gente que já passou por essa fase, sabe que no início é extremamente difícil, e quem tem condições de ter um suporte psicológico, até consegue, mas na realidade é muito sofrido” (E12).A convivência social é importantíssima para a reintegração das pessoas com estomia, mas ela é dependente da dinâmica interativa entre seus membros para se obter bem-estar espiritual, psicológico, social e material (8). É também no grupo que eles recebem o apoio dos profissionais e confortam-se, uns aos outros, a partir das difíceis realidades relatadas pelos demais participantes. Também, as confraternizações e comemorações de datas especiais são importantes para a manutenção do grupo, uma vez que aproximam seus membros e desenvolve um vínculo afetivo mútuo.Além do suporte emocional que o grupo proporciona, a pessoa com estomia espera que o mesmo seja um instrumento mobilizador para garantir a obtenção de equipamentos em qualidade e quantidade necessária, uma vez que a falta dos mesmos é uma situação que vem ocorrendo de forma freqüente no município. O número insuficiente de dispositivos acarreta sérias dificuldades e se constitui em um grave problema enfrentado pelas pessoas com estomas em geral, pois a maioria não tem condições de arcar com os custos financeiros exigidos para comprá-los causando ansiedade e stress (2). “É uma coisa terrível a falta de material, aí tu não tem, aí tu tem que comprar, é um material caro. Tem pessoas com problema de pele e que não se adaptam com qualquer material” (E12); “Tem uns que tem dificuldade de locomoção, dificuldade de andar, por causa da falta de produtos” (E14).As bolsas de boa qualidade têm uma associação muito grande com a qualidade de vida das pessoas com estomas, pois proporcionam segurança e conforto, enquanto que bolsas que não possuem as características desejáveis expõem as pessoas a desconfortos, tanto físicos como psicológicos, além de conduzir ao isolamento social. Elas acabam fugindo dos eventos sociais, buscando a reclusão e como referencia uma pessoa com estomia em uma entrevista (12), quando se permitem visitar alguns lugares, adotam uma postura de “Síndrome de Cinderela”, ou seja, não se sentem suficientemente seguros para viverem em plenitude, com receio de serem discriminadas. A convivência com grupos de auto-ajuda neutraliza esse estigma, através da troca de experiências entre as pessoas que enfrentam as mesmas dificuldades de readaptação a um novo estilo de vida (10). Assim, o uso de bolsas de má qualidade pode exalar mau cheiro e reforçar esse isolamento (2): “Tem dias que tu levanta bem, de manhã tu levanta maravilhoso, de repente dá aqueles gases, aquelas coisas ruins, estraga o dia” (E2).Bolsas de baixa qualidade possuem, ainda, uma durabilidade muito menor, pois acabam descolando com mais facilidade, sendo necessário uma quantidade maior de material para suprir as necessidades das pessoas, em um determinado período, geralmente de um mês: “Ali no começo foi difícil, porque a gente colocava e dali a pouco descolava. A gente não tinha prática” (E3). “É pouco seis bolsinhas que eles estão me dando, porque, às vezes, não fica, no mesmo dia de tarde, no outro dia descola, como é que eu vou botar a mesma?” (E8). O descolamento da bolsa causa o extravasamento de conteúdo fecalóide, o que pode levar ao surgimento da dermatite periestomal: “E se dá um desarranjo na gente. Agora mesmo eu estou sem bolsa, eu me assei, porque de tanto trocar, vai assando em volta do corpo” (E10). As dermatites se constituem em um sério problema para as pessoas com estomas, uma vez que além de causar desconfortos, dor e ardência, dificultam a aderência das bolsas, e agravam ainda mais a situação.A maioria dos participantes do estudo pertence a uma classe social menos favorecida, tendo grande dificuldade na aquisição de bolsas de estomia, em função do seu alto custo. Muitas vezes, quando o material não é fornecido pelo serviço público em quantidade suficiente ou o cronograma de distribuição não é cumprido, precisa comprá-lo, o que causa transtorno em seu orçamento familiar: “O problema é que nunca tem bolsa, é um trabalho louco para conseguir. Eu já cheguei a comprar” (E4). “Eu fiquei dois meses sem receber a bolsinha, então no caso, se tivesse um grupo, pode ser que eles tomassem uma providência mais rápida, que a gente não pode pagar as bolsinhas, que elas são caras” (E6).Durante a realização das entrevistas, todos os informantes manifestaram-se muito insatisfeitos com o número mensal de bolsas distribuídas pelo programa estadual de ostomizados, que eram dez e que, atualmente, são em número de seis. Acreditam que uma atuação forte e conjunta do grupo pode reverter essa situação.Referente à segunda categoria “possibilidades de participação das pessoas com estomas em um grupo”, a maioria dos entrevistados demonstra interesse em participar, porém, de acordo com suas possibilidades: “Se puder ajudar, eu vou ajudar com alguma coisa, mas nem sempre eu posso ajudar” (E2). “De vez em quando eu acho que iria” (E6). “Na medida do possível, sem dúvida” (E12). Se, de um lado, estas falas demonstram que há certa resistência em participar plenamente no grupo, de outro, admitem que a existência do mesmo possa facilitar no encaminhamento e soluções de problemas comuns que os afligem: “Eu acho que a gente deveria organizar um abaixo-assinado, porque eram dez bolsas, agora estão dando só seis” (E10).Talvez, não haja um entendimento real sobre o significado de um grupo porque há pessoas que não conseguem engajar-se com facilidade e naturalidade no mesmo. Percebem como uma experiência nova e ameaçadora, principalmente se nunca tiveram relacionamento próximo e franco com os outros ou se passaram muito tempo de sua vida guardando certos pensamentos e sentimentos, como raiva, dor, frustração e aborrecimentos. Nestes momentos, a ajuda de profissionais especializados, em especial os de saúde, pode proporcionar aos membros do grupo condições apropriadas para a percepção e conscientização da importância da convivência grupal, sendo que esta pode contribuir para o desenvolvimento do autocuidado, para encarar a vida de outra forma e para uma melhor aceitação da condição vivenciada (13).Uma razão citada para essa resistência estava relacionada à insegurança de andar na rua devido aos problemas de trânsito: “Acho que não, não gosto de sair na rua porque é perigoso” (E1). Outras razões citadas foram que o grupo não se reconstituiria por falta de pessoas; algumas eram muito atarefadas; nem sempre se encontravam em boas condições de saúde e tinham dificuldade de locomoção (usava cadeira de rodas). Relataram, também, que o grupo beneficiaria somente àqueles que tinham dificuldades em aceitar a condição de ter um estoma. Esses relatos sugerem que pode estar faltando apoio de outras pessoas que os estimulem e os conduzam ao grupo, até que o mesmo se sinta capaz de enfrentar esses obstáculos.Desse modo, para a formação de um grupo é necessário estabelecer um contrato de convivência, como clareza sobre as metas, promoção de relações harmoniosas entre os membros, estabelecimento e agendamento de temas a serem discutidos, buscando evitar a monopolização da palavra por algumas pessoas e conversas paralelas (8).A partir dos dados levantados, os entrevistados sugeriram algumas condições necessárias para a implantação do grupo, como por exemplo: uma sede própria de fácil acesso, encontros marcados com antecedência, pois alguns moram distantes, líderes atuantes e participantes comprometidos com os objetivos do grupo.Embora a maioria deixasse transparecer que não freqüentariam o grupo de forma plena, duas pessoas afirmaram, categoricamente, que participariam do mesmo independente da existência de condições propícias ou não: “Sim, participaria sem problema nenhum” (E3). “Participaria, sim” (E8). Quando as pessoas com estomas demonstram interesse em participar das reuniões de um grupo, o fazem por acreditar que através dele a pessoa passa a aceitar melhor sua nova condição de vida: “Por isso que eu acho importante, porque geralmente a pessoa não aceita” (E6); “Porque tem gente assim que não aceita. Porque a gente não espera isso na vida nunca, e daí acontece, e tem que ser forte. Não é todo mundo que consegue ficar bem. Daí o grupo, as outras pessoas deixam a gente mais animada né. Por isso eu acho bom” (E13).Nessas situações, como afirmado anteriormente, os grupos de suporte podem facilitar a adaptação das pessoas à nova condição de saúde vivida (5), promover a educação para o auto cuidado, discutir problemas pertinentes à situação, permitir a troca de experiências e contribuir para a reabilitação de seus membros (14): “Por isso que eu acho importante, porque geralmente a pessoa não aceita” (E6). “Eu acho que o grupo pode me ajudar e dar uns exemplos, me confortar, que a gente tem que se acostumar, se habituar com isso” (E9).A convivência entre as pessoas com estomias representa o caminho mais curto na recondução dos mesmos à vida social. É certo que a questão da integração social e familiar está diretamente relacionada à busca permanente de informação, orientação e, sobretudo, convivência participativa dentro do grupo de auto-ajuda. O envolvimento da pessoa com estoma dentro do grupo restabelece as energias para o enfrentamento da doença e suas conseqüências e, por meio das experiências vivenciadas, passa a ter a estomia como um símbolo da vida. A experiência demonstra, também, que um recurso bem sucedido é a promoção do encontro da pessoa com estomia e outros pacientes já bem recuperados e que são exemplos de que vale a pena viver (12).Analisando os relatos das pessoas com estomia, percebeu-se a amplitude da problemática existente na vida das mesmas. Isto acaba causando sérias conseqüências, sendo uma delas o isolamento social. Acredita-se que através do grupo, onde se dá a troca de experiências, torna-se mais fácil para a pessoa enfrentar as dificuldades que surgem, aceitar melhor a condição de ter um estoma e se reinserir na sociedade, o mais breve possível.ConclusãoTerminada a análise sobre as posições das pessoas estomizadas a respeito da necessidade ou não do grupo conclui-se que elas demonstraram interesse na abertura ou reimplantação do mesmo. Independente de terem participado ou não das reuniões reconheciam que algumas vantagens podiam ser obtidas, sendo uma das principais a conquista para a obtenção de bolsas coletoras de boa qualidade e em quantidade suficiente, pois elas colaboram com a melhoria da qualidade de vida ao proporcionar segurança e bem-estar, evitando o isolamento social por este motivo.Além disso, consideraram fundamental a troca de experiências e o apoio psicológico proporcionado pelos membros do grupo. Enfrentar o estigma do câncer, as modificações impostas pela presença do estoma, os transtornos do tratamento quimioterápico e radioterápico, a baixa auto-estima, alteração da imagem corporal, perda de identidade, insegurança e fragilidade, exigia o apoio constante de outras pessoas para adaptar-se a essa nova condição de vida.Considerações FinaisJulga-se, também, que todos estes fatores criam ansiedade e desconforto, frente ao medo da exclusão e às próprias limitações. A ameaça à vida angustia e, na maioria das vezes, faz aflorar na pessoa a culpa pelo desajuste social que a sua própria condição produz, trazendo repercussões altamente negativas para a sua auto-estima. Por isso, toda pessoa deve ser informada, objetivamente, sobre o processo e os novos hábitos a que terá que se adaptar, bem como os materiais que lhes serão disponibilizados. Dessa forma, o desconhecido se tornará menos ameaçador. A pessoa com estoma e com dificuldade de adaptação adota uma atitude radical acreditando que não terá mais uma vida normal (12).Os estomizados que estiverem engajados em um grupo cujos membros vivenciam a mesma situação que a sua poderão ressocializar-se mais facilmente. O grupo também contribui para o fortalecimento emocional, físico e psicológico de seus componentes. Acredita-se que a interrogação “Grupo de pessoas com estomias: necessário?” ainda persiste, pois ficou evidente que os entrevistados achavam importante a existência do grupo, porém relutavam em se comprometer efetivamente, colocando problemas vivenciados no dia-a-dia como empecilho para a sua participação.Após essa reflexão, ressalta-se que deve haver um esforço conjunto das pessoas com estomas, de seus familiares, amigos e dos profissionais da área da saúde, para que o grupo seja ativado novamente, tendo em vista os benefícios que pode proporcionar a todos os seus integrantes.


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Published

2016-03-23

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1.
Marcio MS, Moraes D de, Poletto DS, Petuco VM. Artigo Original 2. ESTIMA [Internet]. 2016 Mar. 23 [cited 2024 Mar. 28];4(4). Available from: https://www.revistaestima.com.br/estima/article/view/24

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