Artigo Original 2
Abstract
Dor Relacionada à Úlcera Venosa Crônica em Pacientes Ambulatoriais
Os resultados são apresentados por meio de média, desvio-padrão, mediana e freqüências absolutas (n) e relativas (%), distribuídos em gráficos de colunas. A associação entre duas variáveis nominais (medidas em percentual) foi avaliada utilizando-se o teste exato de Fisher. A normalidade da distribuição dos resultados sobre o tempo de existência da dor e as médias dos escores da EVN, em relação às variáveis sócio-demográficas, foi avaliada por meio do teste de Kolmogorov- Smirnov. Como o tempo de existência da ferida não teve distribuição normal, utilizaram-se os testes de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis. Para a EVN e os demais escores, empregaram-se os testes t de Student e ANOVA, seguidos do teste de comparações múltiplas de Tukey, sendo este último para os testes de inter categorias (2 a 2).O nível de significância assumido foi de 5% (significativo se p < 0,05). Excel e SAS 9.1.3 foram os softwares utilizados para tabulação e análise dos dados.ResultadosDos 30 pacientes com úlcera venosa crônica, que compuseram a amostra do estudo, 18 (60%) eram mulheres e 60% dos indivíduos tinham mais de 60 anos de idade. Quanto ao grau de escolaridade, 7 (23,3%) eram alfabetizados e o mesmo percentual tinha nível médio ou superior e 16 (53,3%) apresentavam ensino fundamental. A maioria (23/ 76,7%) era católica e 25 (83,3%) de etnia branca. Quanto ao estado civil, 17 (56,7%) viviam maritalmente. A maioria (27/ 90%) morava em companhia de outras pessoas e, apenas 3 (10%), sozinhos. Quanto à ocupação, 13 (43,3%) eram do lar, 9 (30%) aposentados, 3 (10%) autônomos, 3 (10%) empresários e 2 (6,6%) desempregados. Vinte e quatro (80%) tinham situação financeira remunerada, 15 (50%) ganhavam até 2 salários mínimos, 13 (43,3%) entre 2,1 e 4 salários e 2 (6,7%) acima de 4 salários.A pontuação média de dor, na EVN, foi 7,3 ± 1,9, caracterizando dor forte, e todos os sujeitos relataram algum grau de dor.A úlcera venosa em membro inferior esquerdo apareceu em 14 (46,7%) casos e, em 4 (6,7%), a lesão estava presente em ambos os membros. O tempo médio de existência da ferida foi de 58,8 ± 69,7 meses, com distribuição não normal e assimétrica. A mediana foi de 32 meses, ou seja, 50% dos sujeitos tinham até 32 meses de tempo de existência da ferida.A Tabela 1 mostra que não houve diferenças estatisticamente significativas quanto ao tempo de existência da úlcera, na comparação entre grupos, conforme as variáveis sócio-demográficas, exceto para a constituição familiar (p=0,034), ou seja, pacientes com companheiros e filhos apresentavam tempo mediano de existência da úlcera venosa de 24 meses, inferior àqueles pacientes que moravam sozinhos (mediana de 38 meses).
Para as características da dor (Tabela 2), os pacientes relataram dor contínua (16/ 53,3%); persistente (13/ 43,3%) ou periódica (12/ 40,0%); e constante (14/ 46,7%). Onze pacientes (36,7%) declararam que a dor na úlcera venosa era desconfortável; para 8 (26,7%), era aflitiva e para 7 (23,3%), horrível. Os descritores classificaramse predominantemente na dimensão sensitiva/ discriminativa (83,3%) e os demais, na dimensão cognitiva/avaliativa (16,7%).A Tabela 3 mostra que não houve diferenças estatisticamente significativas, na comparação da intensidade de dor nas úlceras venosas entre os grupos, conforme as variáveis sócio-demográficas. Em relação à renda familiar, ao apresentar significância limítrofe (p=0,055/ANOVA), aplicouse o teste de comparações múltiplas (teste de Tukey) que confirmou a diferença significativa entre os escores da EVN de acordo com a renda: pacientes com renda de até dois salários mínimos apresentaram escore médio 7,6 ± 2,1, significativamente superior ao escore médio 4,5 ± 0,7, dos pacientes com renda maior do que quatro salários mínimos (p=0,047).Ao compararem-se todas as categorias, duas a duas, observou-se que houve diferença significativa (p=0,0265) para intensidade da dor conforme o grau de escolaridade. Alfabetizados apresentaram maior escore médio para a intensidade de dor (8,0 ± 2,3) comparativamente àquele das pessoas com ensino fundamental (5,1 ± 2,3).A Tabela 4 mostra que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os descritores de dor.DiscussãoA avaliação da dor deve constituir parte fundamental do processo de assistência de enfermagem, especializada ou não, a pacientes com feridas crônicas17- 20. No presente estudo, todos os pacientes referiram dor, em maior ou menor intensidade e, para muitos deles, a dor era contínua, persistente, constante, desconfortável, aflitiva e horrível.Dados da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor indicam que, no mundo, a incidência da dor crônica varia de 7% a 40% da população; 50% a 60% dos afetados ficam parcial ou totalmente incapacitados e a situação se agrava com a idade, uma vez que, pelo menos 60% das pessoas acima dos 60 anos, têm queixa de alguma dor14. No presente estudo, a maioria das pessoas apresentava idade acima de 60 anos e, além da dor associada à úlcera, estão sujeitas ao risco de dor decorrente de fatores degenerativos da idade.Em estudo sobre o impacto da dor de úlceras venosas de 40 pacientes ambulatoriais sobre a qualidade de vida, Park, Ferreira e Santos12obtiveram prevalência de 90% de dor na amostra, com intensidade média de 6,2 ± 3,5, sendo a dor intensa a mais freqüente (21 pacientes/ 52,5%). Assim como na presente investigação, predominaram os descritores sensitivo/ discriminativos, diferindo, no entanto, quanto às palavras utilizadas: latejante, pontiaguda, afiada e outras. Na dimensão afetiva, três palavras foram escolhidas por mais de 30% dos pacientes: cansativa, enjoada e persistente. No domínio avaliação, a palavra incômoda foi escolhida por mais de 30% dos pacientes. O estudo mostrou ainda que os pacientes sem dor apresentaram melhor qualidade de vida do que aqueles com quadro leve, moderado ou grave de dor12.Em outro estudo, também sobre qualidade de vida de indivíduos com úlcera venosa crônica, Yamada e Santos3 mostraram que o item dor foi freqüentemente observado nas avaliações (65,9%) e estar completamente livre de dor foi considerado um item muito importante para a qualidade de vida.Gonçalves e colaboradores18 referem que as mulheres são mais sensíveis à dor e que a dor pode variar de acordo com as características culturais, emocionais, genéticas de cada indivíduo e gravidade das circunstâncias. No presente estudo as mulheres relataram dor contínua e rítmica e os homens dor breve, talvez por maior sensibilidade ou menor possibilidade de repouso da mulher, uma vez que, a maioria delas realiza atividades domésticas continuamente.Na presente casuística, a intensidade da dor na lesão foi diferente entre os grupos com maior e menor renda familiar, sugerindo que a melhor condição econômica talvez seja um elemento facilitador de acesso à tecnologia, aos serviços de saúde, a meios próprios de transporte, de aderência ao tratamento ou de nutrição adequada. Por sua vez, a maior intensidade de dor entre as pessoas menos escolarizadas, além das relações estreitas com o nível sócio-econômico e, portanto, com a renda, também pode indicar maior dificuldade de compreensão do vocabulário do instrumento utilizado, prejudicando os resultados e sua respectiva análise.
O tempo de existência da úlcera para o indivíduo com convívio familiar foi significativamente inferior quando comparado aos que viviam sozinhos e pode ter sido um fator facilitador para os cuidados gerais com a saúde e a lesão, contribuindo para a melhor evolução desses indivíduos. Para Gonçalves e colaboradores18, o caráter crônico das lesões, que envolve períodos longos para a cicatrização, e a alta taxa de recorrência dessas feridas, podem resultar em dependência de familiares em diferentes aspectos da vida.Observou-se que a mediana de existência da úlcera venosa foi elevada, fato que corrobora a caracterização de um problema social, assistencial e com repercussões psicológicas. De acordo com Borges2, quando a assistência é mal conduzida, a úlcera venosa pode permanecer anos sem cicatrizar, acarretando um alto custo social e emocional. O tratamento da úlcera venosa é longo e complexo, exigindo conhecimento específico, habilidade técnica, atuação interdisciplinar, articulação entre os níveis de complexidade de assistência e participação ativa do cliente e seus familiares.Em um estudo realizado entre 21 enfermeiras, que atuavam em comissões de curativos em quatro hospitais do município de São Paulo, constatou-se que 90% não propunham intervenções de enfermagem para alívio da dor e apenas 10% mencionaram observar, investigar e caracterizar a dor como medidas de intervenção13.Neste estudo, a dor foi uma complicação relacionada à úlcera venosa, entretanto, considerando o reduzido tamanho da amostra, novos estudos de avaliação da dor poderão contribuir para que os resultados possam ser confirmados.ConclusõesEste estudo, visando a avaliar a dor em 30 pacientes ambulatoriais com úlceras venosas crônicas, permitiu constatar que todos os respondentes demarcaram, pelo menos, um ponto na EVN, obtendo pontuação média de 7,3 ± 1,9, caracterizada como dor forte. Pacientes com renda de até dois salários mínimos apresentaram escore médio de 7,6 ± 2,1, superior ao escore médio obtido pelos pacientes com renda maior do que quatro salários mínimos (4,5 ± 0,7; p= 0,047). O escore médio de intensidade da dor de indivíduos alfabetizados foi 8,0 ± 2,3, superior àquele obtido por pessoas com ensino fundamental (5,1 ± 2,3; p= 0,0265).Downloads
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